quarta-feira, 21 de março de 2012

O PÃO E A FOME


Certa vez um pão caminhava tranquilo por uma estrada.

Estava extasiado, radiante, pois acabara de nascer de uma espiga de trigo selecionada e  sovada por um par de mãos bastante experientes naquele ofício, as mesmas mãos que haviam também semeado e colhido a espiga, além de construir  o forno, colher a lenha, acender o fogo e o assar na temperatura perfeita.

Em sua caminhada o pão notou que era muito observado por todos com quem cruzava,  isto o inquietava. Sabia de alguma forma que aqueles olhares lhe requeriam alguma coisa... não sabia o que! Mas havia algo a ser feito, faltava algo. Aqueles olhares o fazia se sentir interminado, incompleto, apesar da excelência que havia na sua criação.

Enquanto angustiava por uma resposta para sua inquietação aproximou-se dele uma boca, que como todos à sua volta, lhe observava e expressava tristeza!... Então ele lhe perguntou:

- Porque todos expressam tanta tristeza? Ao que a boca lhe respondeu: É a fome! O que é a fome? Perguntou-lhe, pois não a conhecia, jamais havia cruzado com ela.- “ É um monstro grande e atroz que pisa a inocência de todos causando-lhes profunda dor!”ela nos tira a dignidade e nos leva à morte.

Diante de tanta atrocidade o pão  ficou indignado, não sabia porque , parece que... meio  por instinto, era como se esse sentimento fizesse parte da sua natureza. Não sabia como, mas sentia que de alguma maneira  era o único que poderia vencer aquele algoz chamado “fome”. Mas como? O pão se perguntava!

Diante da dúvida de como fazê-lo, mas com a convicção de que o deveria, o pão então decidiu lutar! Mas com que arma? Não havia armas, não tinha nada além de si mesmo. Lembrou-se do trigo, da massa, do forno, a lenha... o fogo... as mãos... era tudo muito harmônico, aquelas lembranças eram muito boas, lhe  confortavam. - Mas e aqui? Olhando novamente todos à sua volta, um sentimento, estranho até então, lhe tomou e se sobrepunha as suas lembranças. Era a misericórdia, que agora o acometia.

Sentiu que a misericórdia o compelia a lutar. Mas não havia armas!..., se não a si mesmo! Diante da falta de armas resolve então dar a única coisa que dispunha... a si mesmo. Imediatamente partiu-se em dois e se deu à boca! A boca sorriu! Diante daquele sorriso sentiu-se capaz de reconquistar a alegria de todos. Imediatamente os  outros que o observavam tristonhos se aproximaram e ele também os municiou com a arma que dispunha, e todos sorriam, sorriam, outros vinham, ele os serviam e eles sorriam, e outros e outros... De repente se apercebe do que estava fazendo e pára pra olhar pra si mesmo. Notou que as pedras do forno o circundava novamente, sentiu o calor do fogo, sentiu que a espiga de onde viera o tomava,  a massa sovada adentrava à seu corpo, havia um renovo, ele não tinha fim... Mas como? se perguntava. Era uma experiência nova, impossível até então: Era o milagre!  Viu que quando se multiplicava em dois as suas duas partes eram seguradas pelas mãos e tinham  a forma das mãos, eram à sua imagem e semelhança.  Sentiu-se completo, pleno! E viu que as mãos o aplaudiam,  as mãos estavam com ele e o refaziam. Entendeu então que o trigo, a massa, a mesa, o forno, a lenha, o fogo, a coragem, a misericórdia, a luta, o milagre e o sorriso vinham das mãos, tudo foi criado por elas, que sem Elas nada poderia existir. Entendeu que tamanho poder com que lutava não vinha dos elementos que o compunham, mas das mãos que os criaram.

Voltando-se à batalha percebeu que a fome não suportava tantos sorrisos, tantos aplausos, era demais pra sua mesquinhez. O algoz estava vencido!

Viu finalmente que só havia uma coisa que podia fazer: Crer que era possível e decidir fazer.

E as mãos aplaudiam... E não houve mais fome nem tristeza... Só houve sorrisos!

Alderito Nogueira
Crgyn

quarta-feira, 7 de março de 2012

Dor


Só sabe o que é a dor aquele que a está sentindo. 
Passada a dor, ela fica na memória.
Passa a morar no passado.

GOSTO DA ADÉLIA PRADO por várias razões. É poeta. Tem o jeitão mineiro. E é teóloga. Sempre que ela fala sobre os mistérios do mundo sagrado eu me calo e medito. Quase sempre as palavras dela iluminam as minhas dúvidas. Sugestão para algum estudante que esteja à procura de tema para dissertação: “A Teologia da Adélia Prado”…

Mas hoje peço perdão. Discordo do que ela escreveu. Estava falando sobre a coisa mais terrível que há no mundo, o demônio, e foi isso, mais ou menos, o que ela escreveu. Digo “mais ou menos” porque não sei de cor e não posso consultar os livros dela que estão encaixotados, prontos para uma mudança, que julgo, será a última… Foi isso que acho que ela disse: “O céu será igualzinho a essa vida, menos uma coisa: o medo…” Tanta coisa boa! Não é preciso mais nada. O que está aí chega. Precisa só tirar uma coisa, uma única coisa, e a Terra se transformará no céu. Qual é o nome dessa coisa terrível? Ela responde: o medo.

Concordo. Mas acho que tem coisa pior, que é a causa de todos os medos: a dor. Nunca tive medo de cálculo renal. A despeito de nunca ter tido medo, ele veio, sem pedir licença e sem consultar se eu tinha medo ou não. Foi assim que conheci pela primeira vez a dor do inferno. Cessam todos os pensamentos. O corpo só deseja uma coisa: parar de sentir dor, a qualquer preço.

Dor não tem jeito de explicar. Bernardo Soares diz que tudo o que é sentimento é inexplicável. O artista, para comunicar seus sentimentos inexplicáveis, se vale de um artifício: invoca um sentimento “parecido”.
De que comparação vou me valer para explicar a dor a alguém que não a está sentindo? Só sabe o que é a dor aquele que a está sentindo, no presente. Enquanto a dor está doendo, meu corpo -não minha cabeça- sabe o que ela é. Passada a dor, ela fica na memória. Passa a morar no passado. Mas isso que está na memória não é conhecimento da dor porque o passado não dói. A memória da dor, por terrível que tenha sido, não me dá conhecimento da dor, depois que ela se foi.

Minha memória mais antiga de dor me leva de volta à roça onde vivi quando menino. Lembro-me, mas não sinto. Acho até engraçado. Era dor de dente. A dor fazia ele inchar até ficar do tamanho do universo- e eu, chorando, sem saber contar a minha dor, dizia que tinha inveja das galinhas que não tinham dentes… Foi meu primeiro encontro.

Mais tarde ela voltou sem se anunciar. Não a mesma. Cada dor é única. Chegou bruta, definitiva. Lutei usando as armas que se compram nas farmácias. Inutilmente. Levaram-me (nesse ponto eu já não era dono de mim mesmo; estava à mercê dos outros) então para o hospital. As injeções são mais potentes que os comprimidos. Aplicaram-me seis Buscopan. A dor não tomou conhecimento. Ficou mais forte. Comecei a vomitar. O médico, reconhecendo a derrota dos recursos penúltimos, dirigiu-se à enfermeira e disse o nome do último, nenhum mais forte: “Aplica uma Dolantina nele…”

Ela aplicou. Passados cinco minutos, senti a mais deliciosa sensação que tive em toda minha vida. Não era sensação de nada. Que me importava música, sexo ou flores? Era simplesmente a sensação de não ter dor. Pensei se essa euforia não deveria ser o estado normal da alma, sempre que o corpo não estivesse sentindo dor… Rindo e feliz, brinquei que o Paraíso morava dentro de uma ampola de Dolantina…

RUBEM ALVES

terça-feira, 6 de março de 2012

Filmes: nossa sessão

Uma nova sessão do nosso blog apresenta dicas de filmes relacionados aos temas da Caminhada de Recuperação.

Vale assistir e refletir.

Equipe CR