sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O co-dependente em seus relacionamentos

Algumas pessoas são ótimas observadoras; interpretam rapidamente as mensagens não-verbais e intuem as necessidades dos outros; acompanham vivamente as conversas com a missão de fazer o possível para satisfazer as necessidades alheias, sejam quais forem. Abandonam a si mesmas para ser uma espécie de camaleão que sempre terá a cor que o ambiente e os outros lhe designam, mesmo sem qualquer palavra dita. Não fazem críticas, não ficam zangadas, estão sempre satisfeitas, são sempre prestativas. Consideram-se inferiores e menos qualificadas que os outros, que recebem constantemente uma palavra de elogio e admiração. O que fazem não é bom o suficiente, o que pensam não é suficientemente inteligente para ser exposto, o que precisam não é suficientemente necessário ou realmente importante, o que falariam não é suficientemente valioso para merecer atenção. Preferem calar-se, raramente discordam ou começam uma discussão. As decisões são postergadas ao máximo, sendo preferível que outro as tome.

Críticas dos outros são insuportáveis, afinal se esforça em suprir tudo o que os outros precisam. Esperam que eles retribuam sua dedicação. Mas geralmente o cuidado e a atenção dispensada não são correspondidos e ai sobrevém uma severa cobrança do “não-foi-suficiente”, a busca pelo perfeccionismo, o peso da frustração, a culpa por ter falhado no atendimento das necessidades alheias, a confirmação do seu valor menor. Comportamentos autodestrutivos podem ser desenvolvidos como forma de punição. Pensamentos e sentimentos se escurecem e é premente o refugiar-se, isoladamente, para seu momento de martírio e para não incomodar ninguém com sua infelicidade.

Esse é uma parte do mundo do co-dependente. Sua percepção da realidade e de si mesmo estão desequilibradas, perturbadas, tendenciosas. Não se trata apenas de um aprendizado que não lhe foi dado, como reivindicar seus direitos, ser assertivo, “chorar para mamar”, expor abertamente seus desejos e necessidades. Trata-se de uma violência vivenciada pela circunstância, pela dinâmica estabelecida entre seus cuidadores e entre estes e a criança. A questão não é culpar os pais, porque muitas vezes também foram vitimas da mesma violência. A questão é designar à criança um papel, com obrigações e metas que não são cabíveis a ela, pela própria estrutura psicológica que está em formação. Não é papel de uma criança satisfazer necessidades dos pais, mas o contrário, devendo ser os pais suficientemente bons para garantir o alicerce necessário, atendendo as necessidades essenciais ao desenvolvimento saudável no âmbito bio-psico-social. É preciso que os pais tenham maturidade para não usarem a criança para atender suas necessidades egoístas.

A idéia de violência que uso aqui é a de privação imposta de direitos/condições básicas e necessárias. A privação de liberdade, de afeto e de poder são as raízes da violência em todas as formas conhecidas. Diante dessas privações fundamentais, a pessoa esforça-se para suprir suas necessidades essenciais dando tudo o que os outros precisam ou pensa que desejam, esperando que estes lhe dêem atenção e até cobrando isso. Espera e cobra também as retribuições por sua dedicação usando indiretas na fala, no tom de voz, na expressão corporal, nas chantagens e prisões emocionais. Facilmente se ressente, se frustra, se retrai, e nessa luta aceita até retribuições indiretas, insuficientes para suas necessidades já distorcidas pela carência, mas ainda assim, as migalhas emocionais são aceitas e o co-dependente se esforça para se contentar com elas.

Trata-se de uma pessoa co-dependente. Alguém que “intuitivamente” percebeu que precisava abrir mão de si mesma para obter um mínimo de afeto necessário para sua sobrevivência. É vitima de uma violência que não é percebida em nenhuma das partes envolvidas até que seja uma situação bem definida e, portanto, difícil de desenrolar. Não é simplesmente um aprendizado cultural, mas um resultado de uma dinâmica de relacionamento. Possivelmente um dos pais foi vítima da mesma situação; encontra um parceiro que o ajuda da manter esse papel e repassa à criança, no seu agir cotidiano, seu padrão de pensamento, sentimento e ação, que será modelo no desenvolvimento na criança. Não é questão de querer fazer isso, mas essas dinâmicas são fortes e influenciadoras, além de invisíveis a percepção. “os torturados tornam-se torturadores” e assim se perpetua um modo-de-ser-no-mundo. Muito cedo compreenderam, intuitivamente, que todos esperavam que fossem bonzinhos e se sacrificassem pelos outros...

Há a questão da aprendizagem pelo modelo da dinâmica do relacionamento dos pais, mas também, muito cedo a criança percebe que precisa ser outra pessoa para obter o afeto e aceitação de que precisa. Geralmente isso se mostra na “obrigação” de dar/demonstrar afeto e aceitação, e ser supridora de afeto e continente de um dos pais, ou de ambos, com é o caso das “crianças-chicletes” que nascem com a perversa e ingrata missão de unir o casal.

Na verdade, os que convivem com co-dependentes (cônjuge, amigos, filhos) nunca sabem exatamente o que eles pensam; eles próprios não sabem o que esperam do relacionamento, assim, qualquer coisa lhes basta, mas a insatisfação é constante, assim como a cobrança, os desapontamentos, as críticas, a sensação de confusão e de que algo está fora do lugar.
No casamento, é fácil que o co-dependente desempenhe o papel de dominado, numa relação desequilibrada, mesmo assim descrevendo sua união como feliz. Mas a falta de honestidade, a falta de intimidade verdadeira, a solidão, o medo, a abstenção, a falta da pessoa real no relacionamento faz apenas uma felicidade mascarada, com muito esforço para manter a máscara intacta.

Por Ettore Riter

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